quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A cor da pele ainda distancia os brasileiros, apesar de melhorias





Ter sido aluna de escola pública não fazia de Joyce Vieira de Castro Marra, 26 anos, uma minoria representativa dentro da universidade. O que mais tornava rara a presença da aluna de pedagogia na instituição federal que cursou era a cor da pele. Formada em 2008, quando 7,7% dos negros alcançavam o ensino superior no Brasil, a atual professora representa um avanço nas políticas de igualdade racial no país. Isso porque 20 anos antes apenas 1,8% dos negros cursavam uma faculdade. Apesar do aumento no acesso à educação, a disparidade em relação aos brancos ainda assusta.

Essa é uma das conclusões de um estudo apresentado ontem pela Organização das Nações Unidas (ONU) na Comissão de Legislação participativa da Câmara dos Deputados. Organizado em parceria com o Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas (Laeser) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Relatório das Desigualdades Raciais no Brasil 2009-2010 analisa como garantias constitucionais, como educação, saúde e previdência social, têm chegado a negros e brancos no país. E alerta: a desigualdade no Brasil diminuiu, mas ainda continua grande.

"O país avançou muito na universalização do ensino, por exemplo, mas a educação ainda chega de forma diferente para brancos, pardos e negros", destaca a pesquisadora do Laeser Irene Rossetto. Ela usa dados para exemplificar a constatação. Em 1988, ano em que a Constituição Federal foi aprovada, 20% das crianças com 6 anos não frequentavam a escola. Essa taxa hoje é de apenas 6,4%. Analisando mais de perto o cenário, entretanto, é possível ver a diferença. Enquanto 4,8% das crianças brancas nessa faixa etária estão fora da escola, 7,5% das crianças pretas e pardas encontram-se nessa situação.

Mesmo entre os que têm acesso ao ensino há disparidades. Quando considerada a taxa de adequação, se o estudante está na série indicada para a sua idade, os negros continuam atrás. De uma forma geral, entre os jovens com 15 a 17 anos que deveriam estar no ensino médio, a taxa é de 34%. Se consideramos apenas os brancos, fica em 26,2%. No caso dos pretos e pardos, 20,1%.

Irene Rossetto destaca que os problemas atingem todas as etnias, mas alcançam de forma mais acentuada os negros. "A qualidade desse ensino é diferente. Até a estrutura e a segurança das escolas onde estudam (os negros) costumam ser inferiores", analisa. Segundo ela, é fundamental que sejam aplicadas políticas afirmativas para reduzir ainda mais as desigualdades. "É preciso levar em conta que os negros partem de posições iniciais muito diferentes devido à dívida histórica que carregam. É preciso ter políticas que garantam não apenas cotas de participação, mas uma mudança no olhar, para que passem a ser vistas as limitações específicas", defende.

Estar na universidade propiciou que Joyce tivesse essa nova perspectiva. Para ela, ter cursado a universidade garantiu não apenas uma profissão, mas o reconhecimento de sua raça. "Antes, eu achava que era morena. Foi na faculdade que tive contato com a desmistificação da beleza padrão", explica. Quanto a eventuais episódios de preconceito, a pedagoga não dramatiza. "Não gosto dessa coisa de mania de perseguição que alguns têm. Nunca fui impedida de entrar em algum lugar ou coisa do tipo. Mas a gente sente a discriminação de uma forma mais sutil", lembra. "Quando alguém perguntava onde eu estudava e eu dizia que era na Universidade de Brasília, as pessoas se assustavam e perguntavam como eu tinha conseguido."

Segundo Rebeca Tavares, representante da ONU Mulher, o relatório é um primeiro passo para diagnosticar a situação do país, mas ela afirma que a caminhada ainda é grande. "Sem o diagnóstico, é impossível propor políticas públicas que possam resolver o problema. Mas é preciso ser mais incisivo para acabar com o preconceito, ainda forte, persistente e universal", avalia.

Baseado na Magna Carta
Esta é a segunda edição do Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil. Ele compila e analisa dados oficiais de órgãos como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O novo número analisou como a Constituição de 1988 influenciou a evolução das desigualdades, já que, do ponto de vista social, ela é considerada progressista. Um de seus princípios fundamentais é "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".

Em queda

As disparidades raciais têm diminuído no Brasil, mas continuam grandes, segundo documento divulgado ontem pela Organização das Nações Unidas (ONU)
FONTE: Correio Braziliense

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